sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A Dor

Hoje experimentei a dor no sentido amplo, tentando me colocar exatamente no lugar do outro para tentar entender a magnitude deste sentimento. Confesso que não consegui e minha única saída foi recorrer a palavra, palavras estas que talvez sejam incapazes de definir o sofrimento que o casal Hamilton e Márcia estejam passando. No dia 07 de outubro pela manhã num brutal acidente que não compensa sequer ser narrado, seu filho André de 18 anos foi abruptamente retirado de nosso convívio, sem possibilidades de qualquer intervenção que pudesse evitar o ocorrido. Hamilton e Márcia são nossos vizinhos e André foi aluno de minha esposa e estávamos acostumados a vê-lo em nossa rua constantemente.

    Muita dor. Pela manhã do dia 08 comparecemos ao cerimonial de sepultamento e dentro do ambiente, sentimentos diversos: muitas pessoas inconformadas tentando buscar explicações para o inexplicável, um ar denso que parecia que poderíamos até pegar por imensa tristeza ali reunida. A dor. Sentimento que nos acomete e atormenta como um vulcão que entra em erupção dentro de nosso coração. A dor física quando sentimos vem para nos ajudar, ou seja, é uma maneira que nosso organismo encontra para que possamos reagir e eliminar algo que nos incomoda. Ao encostar qualquer parte do nosso corpo em algo que nos faz sentir dor, rapidamente reagimos e tiramos nosso corpo do perigo. Quando sentimos alguma dor é sinal de que algo não vai bem em nosso organismo e corremos para resolver o que causa o problema. Mas e a dor da Alma, esta que estamos sentindo hoje em solidariedade ao Hamilton e a Márcia ? Como estancar estas pontadas diretas no coração ?

    Confesso que foi até hoje a maior tristeza que tive diante de alguém que parte. O que será que se pode tirar de tudo isto ? Bom, com um pouco de sobriedade que ainda me restava na cerimônia, pois estava muito emocionado, invadido por um sentimento fortíssimo de tristeza, pude ver quanta gente estava ali em torno de André. Jovens da mesma idade que ele, amigos dos pais, familiares, professores, todos envoltos numa tristeza que só quem ama é capaz de produzir. E é nisto que temos de acreditar. Temos que acreditar que André estava ali vendo que é por ter a capacidade de amar que o ser humano tem a capacidade de se entristecer; é por ter a capacidade de amar que teremos de continuar seguindo a vida mesmo que seja difícil; é por ter a capacidade de amar é que experimentamos a dor da alma; é por ter a capacidade de amar que não consigo sequer respirar sem lembrar da dor do outro, o que tem tornado o dia de hoje muito difícil. É lógico que nem se compara aos diversos dias a frente que Márcia e Hamilton vão ter.

    Todos que estavam ali se pudessem fazer algo para reverter tal situação dariam tudo para fazê-lo, tenho certeza disto, porque todos que estavam ali de uma certa forma representam o amor que André os fez sentir. Só por isto, André já é merecedor de um lugar especial em nossas lembranças. Mas temos de acreditar que Deus tem seus propósitos e que André esteja com Ele neste momento.

    Ao Hamilton e Márcia nossos profundos sentimentos e que Deus os ilumine nesta difícil jornada.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Hotel Nossa Senhora das Graças – Um Grande Hotel

Eu sou um grande apreciador da arte cinematográfica e este final de semana assisti a um clássico do cinema, o filme Grande Hotel de 1932 (de Edmund Goulding, estrelado nada mais nada menos por Greta Garbo)que relata a vida de diversas pessoas que vão e que vem em um Hotel em Berlim, cada um com suas características, suas histórias de vida, suas decepções, alegrias e o passar do tempo durante a vida. Lembrei-me de um outro Hotel onde vivi toda minha infância e juventude, o Hotel Nossa Senhora das Graças, localizado na ladeira Monte Carmelo, centro comercial de Aparecida. Foi batizado assim, pois Nossa Senhora das Graças sempre nos acompanhou, sendo que na entrada do hotel, era possível avistar sua imagem que ficava suspensa sobre o andar térreo de braços abertos para quem chegava, imagem esta que resistiu as nossas brincadeiras de bola pelos corredores daquele prédio durante nossa infância. Só por este motivo aquela imagem já era milagrosa.

Praticamente foi lá que nasci e foi lá que tenho todas as minhas lembranças de formação como pessoa. O Hotel que era dirigido por meus pais era um prédio antigo, muito simples, com pouca estrutura turística, ainda não adaptado aos conceitos do turismo atual, isto porque, meus pais se tornaram proprietários na década de 70 onde quarto de hotel com banheiro dentro era artigo de luxo ou self-service em refeições nem se cogitava para se ter uma base. O que era impressionante é que existia turista ali o ano todo e o turista de repetição, ou seja, aquele que vinha todo ano. No meio destes que voltavam ano após ano, encontravam-se pessoas das mais variadas classes sociais entre elas, várias que poderiam pagar por estruturas muito melhores do que aquele hotel proporcionava. Eram apenas dois os motivos para que um turista voltasse àquele Hotel: o primeiro e inquestionável era a visita à Nossa Senhora Aparecida para agradecimentos e graças alcançadas e o segundo onde vou me ater mais dentro deste texto, era a receptividade proporcionada por um casal especial: Dona Olinda e Sr.João, acompanhado dos filhos e funcionários que ali trabalharam. Neste Hotel aprendi a arte de receber as pessoas e que o necessário para isto não está somente em ter os melhores recursos, mas reside no fato de receber as pessoas como se fossem da família. Era assim que os hóspedes deste hotel eram tratados. Não era possível comparar a estrutura de prédio com outros hotéis da cidade, mas nos quesitos em que dependia da intervenção especificamente do ser humano, aquele hotel deixava todos os outros bem longe. Para entender melhor o que quero dizer era que diversos fregueses voltavam ao Hotel pela comida feita pela Dona Olinda que fazia com amor, voltava para as rodas de conversas no salão do Hotel onde diversas vezes parecia mais com uma grande cozinha daquelas casas de Minas onde todos se sentam para conversar em torno do fogão a lenha. Numa destas conversas neste salão, descobrimos que Dona Maricota e Dona Raimunda eram respectivamente mãe e avó do Lô Borges e de um considerado filho adotivo chamado Milton Nascimento. Elas freqüentavam nosso Hotel há muito tempo e eram amigas de meu avô e nos considerava como pessoas da família. Aliás, Dona Raimunda foi uma das pessoas mais sóbrias que conheci nesta vida. Foi nossa fiel visitante durante 30 anos consecutivos. Tivemos a oportunidade de estar em Belo Horizonte quando completou 100 anos numa missa onde quem cantou foi só o Milton Nascimento e a família dos Borges. A última vez que dona Raimunda veio em nossa casa estava com 103 anos e uma de suas diversões prediletas ainda era fazer palavras cruzadas, sem olhar as respostinhas que vem no final da página. Aquela imagem de uma senhora com esta idade fazendo palavras cruzadas marcou muito.

Um fato comum era eu me deparar com pessoas da própria excursão ajudando nas tarefas que o hotel demandava. Um exemplo disto é que ao entrar na cozinha sempre encontrava 3 ou 4 pessoas da excursão ajudando a lavar os pratos ou picando os legumes que seriam preparados para eles no outro dia no almoço; no almoço ou jantar, pessoas da própria excursão ajudavam a servir, brincavam de outra profissão enquanto nos ajudavam propriamente dito. E as tarefas eram regadas por conversas, por risadas, por atualização da vida dos que vinham a nossa casa e dos que ali moravam permanentemente. Impensado ? Talvez nos dias atuais, mas naquela época neste aspecto aquele sempre foi o melhor hotel da cidade. E foi neste meio que aprendi também como é interessante se relacionar com as pessoas. Era interessante, pois todo final de semana minha casa tinha no mínimo umas 50 pessoas morando nela e pessoas das mais variadas classes sociais, das mais variadas culturas, dos mais estranhos costumes. Mineiros, baianos, catarinenses, paranaenses, cariocas, era a pluralidade pura e aprendi muito ali, uma escola viva. Por mais cansaço que a gestão de um hotel causava, nunca nos abdicávamos da conversa, de tratar bem as pessoas e se interessar por suas vidas. Conheci muita gente boa ali, pessoas dos quatro cantos do país.

O que atestava realmente a felicidade de quem esteve ali compartilhando de convivência naqueles poucos dias eram as despedidas calorosas ao final da excursão onde os hóspedes faziam questão de se despedir de um a um não esquecendo ninguém.

Viver em um hotel é uma experiência única. Quando era criança e não tinha com quem brincar, pois sou o mais novo da casa, sempre vinha criança na excursão. Quando era adolescente e queria paquerar umas garotas, no meio de 50 pessoas sempre vinha uma garota bonita. Daí a concorrência era acirrada(eu, meu irmão e alguns amigos que trabalhavam com a gente). Lembro-me que quem acordasse mais cedo conseguia mais pontos, pois já fazia a "varredura" para estabelecer os primeiros contatos com a garota. Com estas mesmas garotas depois nos correspondíamos por carta, algo difícil de imaginar atualmente na era da comunicação eletrônica.

Tudo ali era superdimensionado. Durante a semana quando não havia ninguém hospedado, experimentávamos dormir em diversos quartos diferentes. Para almoçar, mais de 100 pratos no armário. Quer tomar uma água, pegue um copo em meio a dezenas deles. Panelas de almoço sempre fui acostumado a ver aquelas que eu cabia dentro. Uma simples tarefa como "dar uma varrida na casa" se tornava algo enorme pois eram três andares com escadas. Um mundo completamente diferente. Uma experiência inusitada foi no casamento de minha irmã. Veio tanta gente que o hotel ficou lotado de parentes e amigos para a cerimônia.

Milton Nascimento escreveu encontros e despedidas fazendo uma correspondência entre a vida e uma estação de trem. Nós vivemos encontros e despedias num outro local, num hotel e é emocionante quando isto acontece tendo envolvimento. Montamos ali uma grande família e posso dizer que conheci muitas pessoas, suas histórias, suas buscas, suas dificuldades, alegrias e frustrações, cada uma delas com objetivos distintos, mas com alguns fatores em comum: todos gostavam de interagir, de trocar experiências de vida e de estender o conceito de família a mais pessoas. Por isto acredito no que canta Jorge Vercillo: todos nós somos um ! Pelo menos era assim que nos sentíamos naqueles finais de semana.

Abaixo, alguns personagens da história:

João, Olinda, Roseli, Rogério, Renato.

Maria(in memorian), Joana, Dona Maria Baixinha, Dona Luiza (in memorian), Marcos (in memorian), Raimundo (in memorian), Fátima, Francis, Maurício, Dona Rosa, Maria Tereza, Shirley, Barros, Teresa, Benedito, Dito(flamenguista), Márcio Fotógrafo, Cacau, Gê, Sagui, Lilia, Márcia, Marcela, Lindinha, Arlete, Zé, Toró, Mineiro, José Reis, José, Dona Lourdes.

Aos hóspedes que ali passaram todos estão sendo lembrados em cada palavra deste texto. Não coloco nomes para não cometer o erro de esquecer alguns, pois uma das virtudes de ter vivido neste hotel foi ter grandes amigos em larga escala.