Depois de umas merecidas e ótimas férias estou de volta aqui neste espaço dedicado a reflexões do cotidiano e o tema não poderia ser outro a não ser falar sobre férias. Não são apenas os trajes que ficam mais leves durante este período, mas também as pessoas ficam mais abertas, disponíveis e com semblante de gente. Isto é fato comprovado principalmente quando a gente viaja e encontra pessoas de diversos outros lugares. E nestas férias tivemos a oportunidade de conhecer pessoas maravilhosas, que tornaram nossos dias especiais, pelo simples fatos delas estarem abertas a interagir, a querer formar uma espécie de família "postiça" em um lugar neutro. Foi assim que nos sentimos nestes dias em que convivemos juntos. Tínhamos todos os ingredientes para que pudéssemos passar dias felizes pois a interação ocorreu entre pessoas de gerações diferentes, profissões diferentes, classes sociais diferentes, de origens diversas mas que tinham em comum o gosto pelo conviver. Reunidos ali no mesmo "balaio", tínhamos músicos, psicóloga, arte terapeuta, professores, estudantes; brasileiros e cubanos; paulistas, mineiros e cariocas; crianças, jovens, adultos e experientes. Estabelecemos por poucos dias o que gostaríamos que acontecesse em nossas vidas em todos os momentos, onde os pequenos prazeres tais como um café, um almoço, uma pizza ou um sorvete degustados literalmente no coletivo e acompanhados de uma boa conversa se tornavam algo completamente especial. Se a bolsa de valores estava em alta ou em baixa, pouco interessava.
Em um dos dias que por ali permanecemos, nossos filhos, por iniciativa própria se reuniram e decidiram comer uma pizza no restaurante do hotel. Olhando aquela cena, minha amiga Simone, mãe de duas meninas absolutamente especiais, professou uma frase feita: "'É isto que a gente vai levar da vida ". Frase feita sim, mas indico que nunca vi uma frase feita ser dita num momento tão apropriado e com justificativa tão a altura. Além disto, a frase saiu do coração e não da boca, o que complementou ainda mais o seu efeito.
As conversas foram realmente o ápice daqueles dias. E conversas sobre assuntos dos mais variados onde falamos da vida. E como é importante encontrar pessoas que estejam com o semblante de gente (repetindo) para que possamos ter a oportunidade de comprovar que a vida não é este posso de tensão a que nos submetemos todos os dias. Com este espírito totalmente aberto, é possível compartilhar, aprender.
Falo sim em aprender. Com meu amigo Anselmo, músico profissional que toca piano nos bares do Rio de Janeiro, em nossas longas conversas (quando músico encontra músico a coisa se estende como vocês nem possam imaginar) pude verificar que o conceito de felicidade é realmente subjetivo. Em nossas conversas, ele relatou que os freqüentadores dos restaurantes onde ele toca são médicos, executivos, advogados tendo como característica um elevado padrão financeiro. Não é que vários destes chegam a beira do piano de caldas e professam a seguinte frase ao músico: "Se eu pudesse trocaria de lugar com você !" Pessoas que ganham em um mês o que nós talvez levaremos anos para igualar. Está aí a grande dicotomia entre o mundo real e o imaginário. É certo que todos tem a visão lúdica da profissão músico, mas tem outras coisas por trás desta frase. Anselmo também é bem sucedido e talvez muito mais realizado do que muita gente que passa por ali. Talvez aos nossos olhos isto pareça impossível, mas basta conversar com ele para comprovar o fato.
Com minha amiga Simone, a pessoa que congrega, pude aprender que os resultados de nossas convicções se trabalhadas sem desistência irão refletir diretamente em nossos filhos. A arte terapeuta, esposa de nosso amigo Vagner que infelizmente não pode estar conosco nestes dias, apresenta para o mundo duas filhas Ana Luiza e Ana Beatriz, duas jovens que já estão fazendo a diferença para os que convivem com elas. Conversando com Simone é possível saber porque as Anas são especiais. Simone é capaz sem fazer esforço de nos fazer sentir de casa, como velhos conhecidos (e acho até que já somos mesmo !). Em nossas conversas, suas colocações a respeito daquilo que pensa da vida principalmente nos aspectos familiares é de uma precisão quase que cirúrgica de tão certeira na habilidade de unir palavras aos seus pensamentos. Além disto, Simone nos presenteou com sua simpatia, nos jantares do hotel, sempre agregando a turma.
Com Ana Luiza e Ana Beatriz, respectivamente com 13 e 14 anos pude ver o quanto a educação vinda de berço faz a diferença no ser humano. As duas foram capazes de nutrir uma amizade por José Renato de 8 anos, coisa que talvez outras adolescentes nesta idade sequer cogitariam em levar adiante. Não só por isto, mas pela fina educação que é notória, aprendo que o período de adolescência pode ser algo mais divertido e sensato do que vemos por aí.
Com os recreadores Maurício e Lilo e com o chef do Hotel, Paulo, verifico o quanto é importante ser competente naquilo que se faz. Maurício e Lilo lidam com as crianças com maestria a ponto de nossos filhos adorarem estar com eles e nos deixando tranqüilos com relação a isto. Além disto, nos divertem também em nossas saídas. Agora, se o Barack Obama experimentasse os pratos do chef Paulo, ele iria falar "This is the man !" É o cara em que tudo onde ele coloca a mão vira "ouro". Acredito que se eu pegar um ovo mal feito por mim e pedir para o cara dar um jeito, ele faz virar um prato inesquecível. A gente passa diversos dias sem que o cara faça uma coisa sequer que não agrade ao paladar. Tive na cozinha e falei a ele que está proibido de se aposentar enquanto eu viver.
Com Luben e Issara, nossos amigos Cubanos pude ter uma aula sobre Cuba de quem viveu lá dentro. É impressionante como a visão de um ser humano pode piorar tanto assim a vida das pessoas. É impressionante como as fronteiras imaginárias podem limitar a liberdade e a vida de tantos. Como uma ideologia pode ser utilizada para benefício de poucos e como intelectuais do mal podem ser comprados a apoiar o que é ruim em detrimento dos intelectuais do bem que são presos e torturados pelo simples fato de expressarem o que os olhos vêem. Como a rigidez por parte dos governantes do lado de lá (Cuba) e do lado mais de lá (USA) pioram a vida das pessoas. Fronteiras imaginárias, resquícios de uma guerra imaginária. Além disto, ser humano é gente em qualquer lugar, seja em Cuba, China, Arzebaijão. Será tão difícil perceber isto ? Conversando ainda com Issara é possível constatar que ainda tem preconceitos tupiniquins sobre cubano ser fugitivo. Difícil de acreditar e aceitar. Luben e Issara são pessoas muito agradáveis de finíssima educação e de uma inteligência singular. Gente da boa safra do mundo.
Com José Renato e Erika, aprendo o quanto é importante o tempo em que ficamos juntos neste período e independe se faça chuva ou sol. Descubro que férias só tem sentido com eles por perto e muito perto.
Pergunto, onde seria possível aprender tanto assim ? Férias tornam-se sinônimo de aprendizado e vida. Aliás, abre-se a discussão: as férias deveriam ser uma extensão do trabalho ou o trabalho deveria ser uma extensão das férias ? Férias é uma compensação dos dias mal vividos dentro das organizações?
É difícil responder. Ao pensar um pouco sobre isto e observando o que está ao nosso redor tudo deveria ocorrer como acontece com as crianças. Aproveitam as férias e em determinado momento ficam com saudades da escola. O modelo de trabalho e a forma que as organizações se utilizam para adaptar a realidade do novo capitalismo, onde as margens diminuem sensivelmente e a concorrência aumenta em proporções globais, geram uma pressão desmedida que contribui para que o sentimento de prazer apareça somente e apenas quando se está longe delas. Não deveria ser assim, mas o fato é que as pessoas têm sede de estender este comportamento que aparece nas férias para dentro do local onde trabalham, mas na maioria das vezes não conseguem. Por isto daqui em diante talvez seja importante pensar no que diz Domenico de Masi, sociólogo Italiano em sua colocação sobre o Ócio Criativo, que alia trabalho, estudo e lazer dentro da filosofia de vida. Vale a pena ler um pouco mais sobre isto. Fica a recomendação.
Então quando você estiver de férias e falar isto para alguém e receber a devolutiva de que você é muito folgado ou coisa parecida, desdenhe, pois férias é muito mais do que colocar havaianas nos pés. É a oportunidade de viver, aprender, experimentar a criatividade, compartilhar e poder dizer uma pequena frase feita : "É isto que vamos levar da vida !"
Abraços a Anselmo e esposa, Simone, Ana Beatriz, Ana Luiza, Maurício, Lilo, Lubhen e Issara e filhos, Paulo e a todos que deixaram nossos dias especiais neste janeiro de 2011.