quarta-feira, 4 de abril de 2012

A Crise

Qual a verdadeira medida da ganância do homem ? Até onde se pode chegar por causa dela ? Eu pensei que já tinha visto de tudo que pudesse dar-me elementos para responder a esta pergunta: destruição de recursos naturais em busca de novos negócios, utilização de mão-de-obra escrava para maximização de resultados, desvios astronômicos em instituições que deveriam prover recursos aos que mais precisam. Tudo isto me deixava indignado e sempre me perguntava qual seria o limite do ser humano quando se fala de defender o interesse próprio. Percebi que não tenho sequer um terço de condições de responder a esta pergunta depois da famigerada crise econômica gerada nos Estados Unidos que estremeceu o mundo em 2008. Bom, aos amigos que aqui passarem, dirão que estou um pouco atrasado, pois estamos em 2012 e só agora coloco um post sobre este assunto. Um dos fatos evidente é que em 2008 este blog ainda não existia. Tão evidente quanto isto é que o assunto nunca foi tão atual, pois a crise não passou. E não estou falando da crise na Europa, dos países que não fizeram a lição de casa quanto a gastos do governo. Estou falando ainda daquela crise financeira de 2008 gerada principalmente pela quebra dos bancos. Em 12/9, o banco de investimentos Lehman Brothers quebrou, depois que as autoridades monetárias recusaram-se a resgatá-lo. No mesmo dia, o Merrill Lynch anunciou sua venda para o Bank of America. Em 15/9, a mega-seguradora AIG (a maior do mundo, até aqueles meses) anunciou que estava insolvente, sendo nacionalizada no dia seguinte com aporte estatal de US$ 85 bilhões. O governo americano com agentes financeiros infiltrados em seu staff decisório foi responsável adjunto pela crise, pois sabia dos subprimes e não interviu na origem do problema. Depois quando as coisas ficaram insustentáveis, injetou 700 bilhões de dólares (dinheiro público) para tentar coibir os efeitos, mas era tarde demais. A módica quantia não deu nem para começar a estancar o corte que se transformou em hemorragia. Com bancos falindo veio a crise de confiança onde os próprios bancos não confiavam um no outro por não saber quem mais estava “podre” e assim foi questão de tempo para a crise invadir o mundo.

Eu sinceramente passei pela crise como muitos ao redor do mundo, com muitas dificuldades. Um cenário de incerteza dormia e acordava conosco todos os dias daquele famigerado ano de 2008, talvez o ano para ser esquecido. O fato é que verificávamos as notícias através de jornais e noticiários e tentávamos entender o que ocorria. Explicações técnicas de economistas, previsões catastróficas, governantes se reunindo tentando explicar os devaneios do capitalismo. Mas deixaram de explicar apenas uma coisa que originou toda a bagunça: a ganância. O capitalismo que tanto nos parece o ideal frente a regimes fracassados como o comunismo e socialismo e outros regimes autoritários mostra seu lado perverso e indica o que todo mundo sabe: o excesso de liberdade que é a essência do capitalismo pautado pelo livre mercado age extremamente em favor da criação de bolhas produzidas pelo setor financeiro, o que leva poucas dezenas de pessoas a multiplicarem sua fortuna, gerando a crise e ganhando dinheiro com ela, porém arrebentando tudo o que tem pela frente. Você já ouviu falar de uma frase que diz que a economia é cíclica ? Se a economia é cíclica é porque a ganância é constante.

Para obter elementos e poder discorrer sobre o assunto, assisti a um documentário fantástico chamado “TRABALHO INTERNO” do diretor Charles Ferguson, o qual recomendo (encontrado em algumas locadoras). Este deveria ser um vídeo a ser passado a todos estudantes, professores e formadores de opinião ao redor do mundo. Não é preciso ser economista para entender como a crise foi arquitetada meticulosamente. O documentário apresenta com muita propriedade, elementos que desatam o novelo desta construção. Apresenta sem sensacionalismo, mas com um realismo assustador, a indiferença do governo americano, as ligações perigosas entre pessoas de alto posto no governo americano e Wall Street. Talvez aqui esteja o melhor do documentário que esclarece prontamente que as pessoas de decisão econômica no governo americano foram pessoas advindas de empresas financeiras de Wall Street se transformando nos principais agentes e defensores de medidas que davam a continuidade da geração de altos lucros às instituições financeiras, mesmo sabendo que eclodiria um tsunami no mundo em pouco tempo. O documentário apresenta e nomeia os articuladores desta crise dentro e fora do governo. Vai ainda mais longe, apresentando um fato alarmante: os formadores de opiniões dentro das principais universidades dos USA como Harvard, por exemplo, estão comprados pelas instituições financeiras para influenciar os que deveriam ser nossa principal esperança de mudança de toda esta situação. Sendo assim Harvard e outras, continuarão a formar pessoas que pensam que a desregulamentação completa do setor financeiro é importante e que ninguém precisa ser fiscalizado. Isto é o princípio de liberdade pregada pelo capitalismo; qualquer intervenção reguladora retira a essência deste sistema. Assim como os reitores e principais formadores de opiniões das faculdades estão comprados para falar o que as instituições financeiras necessitam, as agências de classificação de risco também foram literalmente “adquiridas” e convocadas a prestarem notas máximas (AAA) chamado “triple A” a todas as instituições que estavam prestes a ir ao buraco. Está assim fechado o cerco: governo, agência de classificações de risco, formadores de opiniões e bancos.

O que estes caras fizeram ? Fazendo uma analogia eles venderam uma caixa de laranja com laranjas suculentas em cima e do meio para baixo, todas as laranjas estavam podres. É só questão de tempo para que se chegue as laranjas podres. A concessão maluca de crédito no setor imobiliário levou a um aquecimento no setor, fazendo com que muita gente comprasse imóveis que sequer teriam condições de pagar. Em uma ação arquitetada, os bancos pegavam estas hipotecas e encapsulavam-nas, transformando-as em produtos que foram revendidos no mercado. Resumindo, uma bomba relógio a explodir. A grosso modo foi assim criando-se uma bolha. Como os sistemas financeiros atualmente estão completamente globalizados e interligados a intoxicação foi só questão de tempo. Para entender como chegamos até aqui, recomendo que assistam ao documentário Trabalho Interno. Não se trata de um documentário apresentando uma conspiração infundada. Apenas apresenta de maneira concreta, com provas evidentes de que tudo isto foi arquitetado com conivência de todas as partes. Os banqueiros armaram uma situação tão planejada que eles agonizaram o sistema financeiro (ganhando muito dinheiro com isto) e ainda ao final, o governo (que também tem agentes nesta crise provocada) teve de saldar a dívida colocando dinheiro do contribuinte, para salvar o que seria a ruina do setor financeiro mundial.

O capitalismo gerou um monstro indomável, que se fortalece a cada dia, pois o fato é que 40% da riqueza do mundo atualmente está sendo gerada pelo setor financeiro e não por capital produtivo. Isto é perigosíssimo, pois a especulação torna-se a principal matéria-prima desta fábrica de poucos milionários em detrimento de milhões de trabalhadores sucumbentes.

A pergunta certa: Alguém foi punido por esta ganância toda ? A resposta é não. Os agentes que geraram a crise estão milionários e causaram um estrago irreparável na vida de milhões de pessoas ao redor do mundo. A pergunta mais certa: foi tomada alguma atitude para que uma situação como esta não se repita ? Infelizmente a resposta novamente é não. O mais preocupante é que desde a crise, nada, absolutamente nada foi feito para que se evite outro acontecimento como este. Os agentes do governo são os mesmos que estavam no auge da crise. Barack Obama reintegrou agentes responsáveis pelo problema na era Bush e o sistema financeiro continua sem regulamentação obedecendo o princípio do livre mercado e ainda pior, está mais concentrado na mão de poucos bancos.

A grande verdade é que o governo não conduz e sim é conduzido. Hoje, Wall Street manda no mundo, tendo tudo em suas mãos, comprando o que dá pela frente para continuar avançando a fortuna de poucos. Assisti uma entrevista do saudoso José Saramago onde ele enfatizava que as grandes instituições mandam no mundo e é a pura verdade. A democracia nos dá o falso poder de mudança através do voto e nós queremos acreditar nisto. Mas o fato é que somente isto não tem poder de mudar absolutamente nada, pois campanhas financiadas são cobradas, trocas de favores são cobrados, agentes e cargos de governos são comprados. Só o fato de lobista virar profissão paga, dá a real dimensão de como as coisas são de fato.

No ponto central de tudo isto encontra-se a ganância desmedida. Torna-se um jogo sem fim. Como disse Michel Douglas no filme Wall Street, “não é somente pelo dinheiro mas pelo jogo, pelo prazer de ganhar”. Infelizmente minha gente, isto está longe de ter um fim. O movimento ocupe Wall Street é uma tentativa de lutar contra este câncer, mas ainda parece um tiro de chumbinho em um dinossauro. O movimento é uma tentativa de externar a indignação dos seres humanos comuns aos que pensam estar acima do bem e do mal. Resolve ? Não sei, mas é um começo e dentre as alternativas que temos em mãos, parece-me ser a única de aplicação mais imediata.

Ao final do documentário cheguei a conclusão de que a ganância humana é incontrolável. Esta crise nunca passará e sempre retornará vestida com outra roupa, pois não é uma crise técnica apenas e sim uma crise moral, uma crise política, uma crise gerada pela ganância que nada mais é do que a escolha de caminhos obscuros para obter-se ganhos incalculáveis, independente dos estragos que serão produzidos. A ganância está em toda parte, porém nos USA que contém arsenal militar para destruir o planeta, torna-se ainda mais perigosa. Em tempos de tecnologia da informação cada vez mais avançada, de agentes econômicos cada vez mais preparados, torna-se impossível pensar que a crise não poderia ser evitada. Tudo isto gera uma sensação de impotência, pois o controle de alguns fatores de nossas vidas parecem não estar em nossas mãos.

A ganância leva a desonestidade, mata, corrói a sociedade e no mundo globalizado, o pecado de poucos se transforma na desgraça de muitos . A ganância é a mãe das guerras, da pobreza, razão pela qual milhares de pessoas sofrem todos os dias. A ganância é o maior pecado capital e nos mostra que ainda temos muito a melhorar se quisermos viver em um mundo com menores desigualdades.

Recomendações

Documentário: TRABALHO INTERNO – Charles Ferguson

Filme: WALL STREET – Oliver Stone

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

FEIRA-LIVRE

Não sei se você leitor(a) frequenta ou algum dia já passou perto de uma feira-livre, aquela das frutas, verduras, legumes, pastel e peixe. Já há algum tempo frequento as feiras nas manhãs de quinta ou sexta para compra de frutas e verduras. Se estivesse ao meu alcance, transformaria a feira-livre em patrimônio da humanidade, protegendo-a de todos os elementos que a coloquem em risco de extinção. Digo isto, pois não existe coisa melhor do que ir a uma destas feiras para comprar frutas, verduras e levar de graça aulas de bom humor, atendimento, economia e relacionamento.

O público frequentador da feira tem um qualquer de especial. Adoro ver aqueles encontros calorosos entre as senhoras contando as novidades, falando sobre as filhas, netas, sobrinhas. Alguns dos senhores estão a discutir a economia visto que o preço de determinada leguminosa ou fruta desperta o assunto que se esvai para o lado da política econômica. Sim, a feira é um termômetro da economia medindo a inflação e quem frequenta, teria autoridade para um debate olho no olho com um ministro da fazenda por assim dizer.

Neste ambiente, alguns atendentes dão uma aula de bom atendimento que deixaria qualquer dono de empresa com inveja. Um outro ponto marcante é o bom humor que chega a contagiar. Estava em uma barraca escolhendo umas frutas quando uma senhora chega e brinca com o feirante travando o seguinte diálogo:

“- Escuta aqui menino, a semana passada comprei umas laranjas aqui e elas não estavam doces. Você não tá me enganando não né menino ? “

O rapaz com um bom humor peculiar responde:

“- Dona Ambrósia bom dia. Isto não pode ter acontecido. Acho que foi o jeito como a senhora chupou a laranja. Esta laranja é para ser degustada olhando a natureza, bem devagar, sentindo bem o caldo, pois caso contrário, azeda mesmo. A senhora não estava brigando com o marido na hora não ? Eu estou sem o manual aqui de como chupar esta laranja, mas prometo que na semana que vem eu trago. Tem mais dona Ambrósia, aqui a senhora manda. Se estava azeda a senhora tem direito a mesma quantidade de graça desta vez. “

A mulher brinca novamente:

“- Menino, eu vou levar novamente e não de graça. Vou pagar mesmo, mas se tiver me enganando vai se ver comigo semana que vem.”

A mulher escolhe e paga e o cara continuando o bom humor pergunta:

“- Nota Fiscal Paulista ?” o que remete todos a dar muita risada (isto porque a banca mal tem uma gaveta para colocar dinheiro, imagina se vai conseguir emitir uma nota paulista), inclusive a senhora que estava a pagar soltando o fechamento do diálogo:

“- Você não tem jeito mesmo !”.

Na narrativa é difícil expressar o bom humor deste diálogo dos dois personagens, mas eu que presenciei o fato dei muita risada. Em tempos onde todo mundo fica falando de Stand_Up, este cara coloca toda esta turma no bolso com sua criatividade. A senhora também é personagem marcante, pois vi que para ela era uma diversão escutar as argumentações do rapaz.

Assim é a feira por onde caminho entre os corredores, aromas e cores, escutando receitas dadas ao ar livre, gente falando da saúde de outras pessoas, lamentando a derrota do time e principalmente, comentando as manchetes que ocuparam destaque nos últimos dias. Não poderia deixar de citar a famosa barraca de pastel e não tem lugar melhor para degustar o real sabor de um pastel. Acredito que de tão gostoso, ele nem aumenta o colesterol, pois o prazer de ir a feira cura os males que ele possa vir causar. Se a dupla pipoca com guaraná ficou famosa numa propaganda, aqui seria a dupla pastel com caçulinha.

Ao lado da feira de frutas e verduras tem a feira de “bugigangas” onde se acha desde baralho de jogo do mico até livro de filosofia. Impressionante como tem coisas malucas nesta feirinha. Aparelho de som velho, fio de extensão, roupas, sapatos, ferramentas diversas, relógio, fita de vídeo (encontrei uma do Daniel Boone se dá para acreditar !) revistas velhas de todas as editoras, torneiras, chuveiros etc. Além disto, tem a UTI das panelas (fantástico o nome, que criatividade !) onde você deixa sua panela e ela vira novinha em folha seja qual defeito tiver. Neste mesmo lugar, tem uma banca de vendas de Cd’s onde o cara brinda a feira com sucessos de todos os tempos. Normalmente toca músicas de todos os tipos, de grandes sucessos das novelas a Roberto Carlos, Benito Di Paula etc.. Nesta semana tocava os grandes sucessos do Wando que morrera há alguns dias. Quer empreendedor mais antenado no mercado do que este ? Vi o pessoal lá comprando os Cd’s do rapaz. (Como observação, a música brega brasileira já foi muito melhor – olha o paradoxo - visto que agora vamos de Michel Teló - sem comentários!).

Por todos estes motivos, a feira livre, não somente as que eu frequento , mas todas espalhadas pelos cantos do Brasil, para mim são patrimônio e não deveriam nunca deixar de existir. Quando era pequeno não entendia como meus pais acordavam tão cedo apenas para ir à feira. Como que algumas respostas demoram a chegar! Tomara que todos nós tenhamos a vontade de evoluir sem destruir elementos tão enriquecedores da convivência humana.

Vida longa a feira-livre !!!