quinta-feira, 9 de abril de 2015

PASSARIM

Em meus passeios com meu filho, lembro-me dele sempre fazer uma pergunta: “Pai, se você fosse um bicho, que bicho seria ? “. Respondia a ele, não sei se consciente ou inconscientemente: “um pássaro”.  Diversas vezes feita a pergunta e diversas vezes a mesma resposta. Nem sei bem o porquê desta resposta. Uma possível explicação venha dos seguintes fatos:

Pássaros pela habilidade de voar, talvez representem a máxima expressão de liberdade que um ser exerce. O limite é o infinito. Liberdade talvez seja a coisa mais sonhada por qualquer pessoa inclusive por mim. A palavra liberdade muito me atrai. Entenda-se aí a amplitude da palavra liberdade. Nós seres humanos estamos longe da liberdade pelo próprio regime de vida em que nos metemos. A liberdade da expressão, a liberdade financeira, a liberdade intelectual, a liberdade psicológica, a liberdade do tempo, a liberdade de criação, a liberdade da confiança, a liberdade religiosa em diversas partes do mundo, a liberdade roubada em alguns pontos do planeta pelo simples fato de nascer mulher, a liberdade em diversos sentidos.  Sempre estamos condicionados à algum limitante dentro deste conceito mais amplo de ser livre, seja por questões diretas ou indiretas, que se fazem necessários a adaptação de uma vida humana em sociedade nos tempos em que seguimos. Hoje a liberdade tem de ser aplicada principalmente dentro de seu pensamento, fugindo das correntes invisíveis que por vezes nos são atribuídas. Pássaros decididamente não são assim. Só se furtam de sua liberdade se for pelas mãos do homem que ainda acha que em gaiola se cultiva alguma relação com algum ser. Nós humanos nos furtamos de nossa liberdade por infinitos motivos dos quais talvez necessitem de discussão em outro post pelo tamanho do assunto que isto demandaria.

A outra lógica para a resposta “pássaro”, segue a linha de que desde pequeno, gosto muito de contemplar e interagir com bichos. Em especial sempre gostei muito de pássaros. Quando eu era criança, qualquer filhote de pardal que caía e que ainda não conseguia voar era objeto de meus cuidados em caixas de sapatos personalizadas, almofadadas, devidamente forradas; seguia-se a isto, tentativas de alimentá-los para tentar recuperar o bichinho e devolvê-lo a natureza. Sempre tive admiração por este ser pequenino, que oferece um encantamento único para quem consegue exercer o poder da contemplação. Em áreas mais arborizadas sempre gostei de escutar os vários sons produzidos por estas admiráveis criaturas. Quando estou caminhando em lugares mais arborizados escuto os mais diversos sons. Como pássaros são musicais e música corre em minhas veias, talvez esteja aí mais um motivo para o nosso entendimento.

              Um dia, passeando pelo parque das águas em Caxambu, escutei o canto de um pássaro que era a coisa mais linda do mundo. Não consegui identificar o dono daquela poderosa e curta melodia, mas fiquei encantado. Criei o projeto dentro da minha cabeça: “cantos em todos os cantos”. Significa aguçar os ouvidos para o que normalmente não percebemos. Desde então, procuro escutar todos os cantos possíveis de pássaros onde eu estiver. Seja na cidade ou em áreas mais específicas eles estão cantando e eu estou pronto para perceber. Como disse uma vez quando escrevi sobre a serra da Mantiqueira, tudo está aí, nós é que perdemos o poder de notar. Para mim como músico que toca um instrumento de ouvido, não foi tão difícil no sentido da escuta, mas é complexo quando se diz em desligar de outros pensamentos e estar inteiro com você mesmo naquele momento, naquele lugar. Trazendo para efeitos práticos, quando estou caminhando, ao invés de meu pensamento (esta fera indomável) caminhar fora do percurso que estou fazendo, ele me acompanha concentrado nos sons emitidos pelo caminho. E funciona muito. Esta é minha técnica de meditação. Minha alma fica junto com meu corpo.
              Com o projeto cantos em todos os cantos já em andamento dentro da minha cabeça, decidi dar um novo passo. Fui em direção a registrar estas criaturas maravilhosas. Minha missão então começa em fotografar os pássaros.  Descobri algo muito legal, pois aí sim verifiquei que estava ali complementando outros pontos fundamentais: concentração, paciência, gratidão, contemplação e espiritualidade. Nunca pensei que o simples fato de sair a fotografar pássaros me traria todos estes benefícios. Bom ressaltar que só fotografo pássaros soltos na natureza.
Começou aí um processo de aprendizagem. Através dos pássaros estou me conhecendo melhor, podendo me interiorizar em cada investida no sentido deste propósito. Este é o meu processo de meditação e interiorização desde então. Confesso que não conheço nada ou quase nada de fotografia. Ganhei uma câmera da minha esposa e estou ainda no início. Este início está me fazendo tão bem que não pretendo mais parar. Meu filho está seguindo o mesmo caminho e já estamos fazendo algumas investidas em dupla.
O processo de fotografar pássaros é muito interessante. Acredito que alguns pássaros até sabem que estão sendo fotografados. Tenho uma cena com um bem-te-vi que está na foto aqui no blog que indica exatamente isto. Ele pousou na minha frente e voava de volta fugindo. Vinha e voltava. Fiquei parado no mesmo local. Minha máquina não estava com zoom aplicado. Fiquei minutos a fio parado tentando fazer com que o candidato a um registro pegasse confiança. E a confiança se estabeleceu. Eu o fotografei com a máquina e ele me fotografou com este olhar aí que você vê na foto.






Um outro momento que gostei muito foi quando saí para caminhar com meu filho e dei de cara com diversas andorinhas na rua da minha casa. Elas estavam dispostas em fios que pareciam as linhas de uma pauta musical; as andorinhas pareciam ali as notas de uma pauta criando um som imaginário na minha cabeça.



Neste mesmo dia mais a frente, verifiquei uma placa de trânsito indicando PARE. Quando cheguei mais perto vi que alguém havia complementado a placa com um “não PARE de sonhar”! E em frente a esta placa observei dezenas de andorinhas nos fios. Cenário ideal para uma foto dizendo tudo que acredito. Tempo meio nublado a frente dizendo que vem tempestade, mas que as andorinhas ali dispostas conseguiriam enfrentá-la em busca do sonho de continuar vivendo e ver o sol ou as estrelas que viriam logo a seguir.



Quando vejo uma criatura pequenina como um pássaro desfilar sua leveza no ar, fica a pergunta de qual criatura realmente é mais frágil: o homem ou um pássaro ? E a beleza incontestável de suas cores e cantos ?






          Normalmente o homem influencia a vida dos pássaros por sua burrice em maltratar a natureza, provocar desmatamento e mais recentemente acabar com a água. Este é o mais comum. Comigo está acontecendo completamente ao contrário. Os pássaros estão influenciando minha vida. E assim deveria ser com todos. Começo a achar absurdo porque não existem políticas públicas voltadas a incentivar a volta de pássaros para as nossas cidades como diz o ornitólogo Johan Dalgas Frisch. Segundo ele, o simples fato de plantar árvores frutíferas, árvores ricas em conteúdo para que pudessem se alimentar, traria de volta os sabiás, beija-flores e outras espécies aos nossos quintais e portas. Em minha cidade eu comento que não se pode ver uma árvore que a prefeitura tem vontade de derrubar. Fico maluco com tais atitudes. Na vida moderna, empreendimentos são necessários. Não sou contra, mas as aprovações deveriam levar em conta e condicionar a uma criação de uma pequena parcela de área verde em contrapartida.  Um exemplo desta idiotice aconteceu perto de mim. Em meio a maior avenida de minha cidade havia uma separação de duas avenidas com diversas árvores plantadas em um canteiro central há tempos. A necessidade de colocar mais pontos de comércio para esvaziar uma outra região (que cresceu desordenadamente através da permissividade descontrolada do poder público)  disparou uma ordem estúpida de simplesmente desaparecer com tal canteiro central, levando embora todas as árvores. Não existiu contrapartida, não foi feito nenhuma compensação a respeito. Todas as árvores foram embora.  Com elas os pássaros dali tiveram de migrar para outro local. Talvez queiramos mais preservar a pintura de nossos carros e os pássaros são uma ameaça pois suas fezes queimam a pintura. Então melhor preservar os carros do que manter os pássaros. Um completo absurdo.
Por isto temos de defender a preservação e a criação de no mínimo uma política verde dentro de cada município. A mudança começa em cada um se conscientizar desta importância.

Aproveito para deixar um vídeo mostrando algumas fotos que tirei de pássaros. Sou completamente amador em fotografia, mas o objeto importante aí é o conteúdo e não a forma. E o conteúdo é especial: pequeninos seres voadores que podem nos enriquecer se estivermos com olhos e ouvidos atentos. O vídeo é um pouco longo acompanhado de música de altíssima qualidade que mencionam pássaros em suas letras. Espero que você consiga vê-lo até o final, pois talvez este seja o começo para recuperar algo que anda tão esquecido nos dias atuais: a contemplação.





 O exercício de contemplar vai te ensinar diversas outras coisas juntas no mesmo pacote. 

Leve isto para o seu cotidiano

              Leve isto para as suas relações

                            Leve isto para as suas convicções

Talvez nos tornemos tão LEVE quanto este meu amigo (Guaxe) da foto !



“Todos estes que aí estão atravancando o meu caminho, Eles passarão. Eu passarinho !”  Mario Quintana. 

Como dito no filme o Carteiro e o Poeta, em algumas ocasiões o dono de certas frases não é o poeta e sim quem a utilizou no lugar certo na hora certa. Peço a permissão ao Quintana pois nenhuma frase definiria melhor o núcleo deste post.


Obs: Agradecimentos ao João e Adriana que disponibilizaram um excelente livro de Johan Dalgas Frisch para iniciar meu conhecimento na área dos pássaros do nosso Brasil.