Tão difícil escrever como
necessário.
Hoje é um dia que estou provando a dor do amor. Em todo tempo que moro na minha atual casa, hoje especificamente está sendo o dia mais difícil de voltar para lá. Uma sexta-feira que para mim segue fria e cinzenta diante da imensa perda que este dia me trouxe: foi embora a July minha cachorra. Muitos pensarão: era apenas uma cachorra! July não era apenas uma cachorra. July era a forma mais concreta de personificar a palavra amizade. Escrevo neste momento para tão somente selar meu amor por este ser, fato que talvez eu não consiga descrever nas próximas linhas.
July
era a expressão do amor. Foi um dos seres vivos que mais me ensinou sobre amor.
Não consigo classificar o grau de relevância desta pequenina que tanto se dedicou
a uma família quanto minha adorada July. Chegou à minha casa no ano de 2000, ano em que
eu me casei. Acompanhou todos os fatos importantes de nossas vidas até aqui.
Ensinou-me, junto com seu companheiro Toquinho, elementos que foram me
construindo para tornar-me futuramente pai e chefe de família. Foi com ela que
aprendi que cuidar vai muito além de por água e ração todo dia. Foi com ela que
aprendi muitas lições das quais coloco em prática atualmente principalmente no
que tange a resiliência. Estando ao nosso lado todo este tempo presenciou os
melhores e piores momentos deste ciclo e nunca deu um passo em falso na sua
principal especialidade: amar. Sim, muitas
vezes um cachorro te ensina muito mais que alguns seres humanos; o amor que ela trazia era muito maior que as
travessuras que ela aprontava; ensinou-me o que é se dedicar a alguém e como
amar deve ser um exercício de todos os dias independente do que você receba em
troca.
July
acompanhou desde o início a construção da minha família. Muitas vezes foi minha
companheira nos momentos de solidão a dois. Nos momentos de preocupação,
parecia ler meus pensamentos e o simples fato de recostar sua cabeça em minhas
pernas, conseguia me acalmar. Assistiu ao nascimento do José Renato e da Júlia
e acolheu aos dois como se fossem seus. Aqui tenho algumas considerações. July
era de uma inteligência singular. Tinha uma relação de cumplicidade com o José
Renato. Ela dormia na sala e como nossa casa é um sobrado e os quartos ficam em
cima existia uma separação durante as noites que ela não se conformava. A
escada era um hífen entre ela e o José Renato e para ela uma correção
ortográfica era necessária para unificação. A noite todos nós subíamos e
naturalmente o José Renato dormia antes (ainda não tínhamos a Júlia). Eu e a
Erika ainda atentos, escutávamos os passinhos na ponta da pata tentando subir
sem ser notada, para pular na cama do José Renato e dormir com ele. Sempre
dávamos bronca e ela voltava do meio da escada toda triste e se mostrando inconformada.
Ela esperava eu e a Erika dormir e subia e se ajeitava junto ao José que
acordava, ficava quietinho e ainda abraçava a danadinha com direito a coberta e
travesseiro. Pela manhã ao adentrar o quarto encontrava os dois cumplices de um
crime em favor do amor, onde somente uma criança e uma cachorrinha são capazes
de produzir em sua pureza de coração. Estavam lá os dois dormindo que dava até
pena de acordá-los. Isto aconteceu enquanto ela teve forças para subir as
escadas.
Com a Júlia a
questão foi diferente. A Júlia já nasceu apaixonada pela July, pelo menos esta
é a nossa sensação. Desde os dois meses, a Júlia tinha uma loucura de paixão
pela July que eu nunca vi em lugar algum. Acho que as duas já sabiam o que uma
significava para a outra. Com dois meses a maior alegria da Julia era ficar
perto da July e a simples separação causava chora na pequenina que demorava a
se distrair com outra coisa.
Tenho
várias lembranças boas dela. Quando eu acordava ela era a primeira a vir ficar
ao meu lado e assim permanecia até minha saída. Acompanhava-me todas as manhãs
como se fosse um ritual. Lembro-me
principalmente de suas crias. Foram três no total, sendo cada uma gerando seis ou
mais cachorrinhos. Em todos os trabalhos de parto eu participei, durante a
madrugada ajudando a retirar seus filhotes. Sentia que ela ficava muito
confiante quando eu estava com ela e nosso amor ia crescendo um pelo outro.
Uma de suas traquinagens
preferidas era sair correndo para a rua
quando alguém abria o portão. Quantas vezes saí correndo atrás dela para
pegá-la seis quarteirões à frente. Quando eu estava quase perto de pegá-la ela
aprontava uma correria maior ainda, o que me tirava um pouco do sério, mas nada
a ponto de desistir dela, pois sabia que ela tinha muito valor para mim. Um dia, fomos ao pátio da Basílica e quando a
soltamos ela aprontou uma correria que nem eu, nem o José Renato nem a Erika,
demos conta de impedir. Já estava anoitecendo e neste dia meu coração gelou
pensando que iria perdê-la. Uma turista a segurou e veio procurando o dono.
Alívio dela e nosso!
Nos
últimos anos infelizmente ela começou a ter problemas de saúde. Quando a Erika
estava grávida da Júlia, ela teve um problema que a impedia de levantar as duas
patas traseira. O movimento só foi recuperado depois de um confinamento de 50
dias em pouco espaço para evitar qualquer movimento brusco. Foram dias difíceis
para ela e para nós. Mas nossa pequena July se recuperou, com alguns problemas,
mas voltou a andar e a participar ativamente de nossas vidas. Só não conseguia
mais subir as escadas.
No
último mês, July sofreu um problema que a fez perder o equilíbrio, caindo
diversas vezes e impedindo de se movimentar. O problema se agravou de tal
maneira que ela parou de comer, parou de ingerir até líquido. Tudo isto nos levou a ter de tomar a decisão
mais dura de nossas vidas até o momento. July se foi numa manhã fria que
congelou nossos corações.
O
que fica de tudo isto ? Fica o amor que continua apesar de não tê-la mais em
nossa companhia. Enquanto eu viver, July viverá, enquanto todos nós estivermos
aqui nesta casa, July estará mais viva do que nunca. Lembrando um pouco de
todos estes fatos tenho a sincera convicção de que apesar da tristeza ser
profunda a alegria que July deixou em nós é muito maior. Sinto muito por perder sua doce
convivência. O quintal perdeu um pouco
de sua magia e nós ganhamos nestes anos aqueles presentes que a vida nos dá
nesta nossa rápida trajetória por aqui.
Eterno
amor a pequenina July !