sexta-feira, 16 de julho de 2010

COMPETIR PARA PERDER

É comum quando entramos em uma livraria nos depararmos com belos metros quadrados destinados a livros de auto-ajuda no que diz respeito a criação de filhos. Também é comum em rodas de amigos escutarmos a celebre frase: "Não existe uma fórmula pronta". Ligamos a TV e nos deparamos com Nardonis, Richthofen, Brunos, Macarrões, Elizas, Mércias etc etc.

Em tempos em que ficamos satisfeitos pelo fato do Brasil começar a figurar entre as oito economias do globo, sabemos que ainda há muito por fazer e principalmente agora quando nos aproximamos das eleições presidenciais, as mazelas e heranças malditas são trazidas a tona com acaloradas discussões: o problema do país é educação, melhorar o ensino nas escolas públicas, melhores salários aos professores, melhores condições de trabalho dentro das escolas brasileiras, saneamento básico, bolsas famílias, bolsas escolas, desoneração da carga tributária, etc. Digamos que aparecesse um gênio da lâmpada e resolvesse todos os problemas citados anteriormente, será que eliminaríamos de vez as celebridades do mal citadas no primeiro parágrafo deste texto ?

Esta pequena introdução e todo texto que se segue foi inspirado a ser escrito depois que fui participar e assistir a um campeonato de futebol do meu filho de oito anos de idade. Na escola de futebol onde ele freqüenta, é possível se fazer um curso de sociologia em apenas uma ida em um jogo destes de campeonato. Basta aguçar as percepções. Dividiram a turma em seleções como se fosse um torneio de copa do mundo. Fui assistir ao jogo com intuito de participar junto com meu filho e apoiá-lo ao esporte, que todos sabemos, é uma boa ferramenta para os pais para manter os filhos numa vida saudável e longe de vícios destruidores da vida. Sinceramente, pouco me importava o resultado das partidas. O que me interessava eram efetivamente duas coisas: meu filho no esporte e como se diz no jargão do marketing moderno do Bradesco: PRESENÇA. Todo pai e mãe deveria realmente seguir o lema do BRADESCO e isto não tem relação com tempo como todos nós já sabemos. Muitos com pouco tempo fazem muito mais do que poucos com muito tempo. A intenção é que a frase fique confusa mesmo. Mas se eu fosse consultor de marketing do Bradesco, faria um acréscimo à frase: PRESENÇA QUE FAZ A DIFERENÇA.

Bom mas voltando ao campeonato, meu filho caiu no time da Espanha que enfrentou a Alemanha no primeiro jogo. Uma legião de mães, pais, avós, irmãos mais velhos se posicionaram atrás do gol para acompanhar a partida de meninos de oito anos de idade. É bom frisar mais uma vez: oito anos de idade. Começado o jogo, é como se assistíssemos passarinhos atrás da comida: onde está a bola, está todo mundo. Nada de tática, guardar posição ou coisas do gênero. Dentre estes meninos, alguns se destacam e correm mais, tem mais domínio etc. Era para ser divertido e engraçado como é.

Eu estava muito feliz ao ver meu filho jogando, mas aí comecei a escutar os absurdos a minha volta. O time do meu filho fez um gol. Uma mãe de um garoto do time adversário do meu filho grita, xinga, esbraveja com o menino . Outra não suporta ver o ocorrido e entra na beirada do campo para soltar outras pérolas a um dos meninos. Um avô, num lance de jogo de criança fica irado pedindo para o juiz marcar uma falta. Um pai ao meu lado direciona uma frase que prefiro não citar aqui. Olho todo aquele ambiente a minha volta e direciono o olhar para um menino cujo a mãe desestruturou sua cabeça a ponto dele começar a querer chorar no meio do jogo. Isto tudo com a bola rolando. A cara de desespero do menino era notória, pois ele não sabia como agradar aquela desesperada que estava na beira do campo. No decorrer do jogo o time do meu filho venceu por 3 x 2. Um programa social para convivência das crianças foi transformado numa arena de guerra, de competição acima dos limites para crianças de oito anos ????

Na saída esbravejamentos com os filhos derrotados , descontentamento com os professores por ter colocado um menino melhor no time de lá que no de cá, caras feias, crianças tristes. Quem precisa de escola ali ? Que escola pública melhor que vai resolver esta questão ? O primeiro lema do Bradesco estava ali, pois os pais estavam PRESENTES, porém, longe de fazerem DIFERENÇA. Aliás, desta forma, era melhor que tivessem deixado os filhos lá e buscassem mais tarde. Ali era um belo momento para ajudar o filho a lidar com derrotas ou pensam que vida só será construída com vitórias ? É por este motivo, que vemos as celebridades do mal lá do primeiro parágrafo surgirem. Não aceitam a derrota e não sabem lidar com ela.

Por isto o problema maior deste país e de qualquer outro consiste na FAMÍLIA !!!!! Estruturar prédios, pagar melhores salários, criar empregos são fatores necessários mas se tornarão paliativos diante do problema maior da desestruturação da família. Olhando tudo aquilo ficava pensando: como consertar tudo isto ? Ao leitor deste texto que não pense que me considero exímio de erros com relação à criação de filhos. Irei errar também em diversos detalhes, mas ali, estamos falando do que está abaixo da linha do básico. Mas como consertar tudo isto ?

Na minha humilde opinião, uma escola desta nunca poderia funcionar sem a presença de uma psicóloga que pudesse apresentar ferramentas para estas pessoas que se encontram ao redor. Sabemos realmente do custo disto, mas não compre um terreno se não tiver dinheiro para passar a escritura do mesmo. É preciso palestras direcionadas a estas pessoas informando o básico do básico para que uma criança cresça com os seus direitos assegurados.. Depois da palestra, um acompanhamento lá durante as atividades. E aí temos uma oportunidade não só de melhorar as crianças, mas sim tudo que está em seu entorno. Os professores fazem um ótimo trabalho, já fizeram uma palestra sobre nutrição infantil, mas, eles também não têm as ferramentas necessárias para lidar com tudo isto. Eu também não teria. Fazendo uma analogia estamos diante de uma situação igual ao que os USA estão enfrentando. O inimigo é invisível, o terrorista pode ser qualquer um, que está na rua. Portanto fica difícil saber quem é. No caso destas crianças as mães e pais ainda vivem juntos, sendo assim parece que estão em melhores condições. Mas não estão. Serão celebridades do mal em menores instâncias, praticantes de delitos suportáveis pela sociedade: serão praticantes de atos como um palavrão direcionado para a mulher ou filho num futuro, quem sabe até um tapa em um destes dois, fazer de tudo (tudo mesmo!) para conseguir os objetivos próprios passando por cima de qualquer valor para não serem derrotados, serão os condutores do país daqui a pouco tempo.

Diante de tudo isto, vejo que o papel da sociedade civil é muito maior que imaginamos. Não adianta mais cuidar bem apenas do seu filho. É preciso se embrenhar em situações onde o pouco de conhecimento que temos possa salvar talvez um destes meninos desta covardia adulta e indolor. Como diz Maslow, é óbvio que conhecimento sem comida na barriga não é digerido. Mas estas pessoas já resolveram esta primeira necessidade. O que mais assusta é que ali, estão presentes pessoas com condições financeiras muito melhores do que a de qualquer leitor deste texto.

É preciso visão para melhorar realmente o que precisa ser melhorado. O poder público tem por obrigação, ajudar nestas questões e nós também temos de exercer a cidadania dentro de nossos deveres e direitos. É preciso sair do básico e dar um pouco mais para melhorar a sociedade como um todo.

Estamos preocupados com a violência mostrada pela mídia mas na maior parte das vezes, o lugar onde a criança é mais violentada ou privada do direito de crescer com o básico que assegure um desenvolvimento saudável tanto física como psicologicamente é dentro de sua casa. E isto não pode acontecer. É uma violência que cria cicatrizes tão profundas quanto um tapa.

Termino dizendo que naquele jogo em que a Espanha (time do meu filho) ganhou da Alemanha todos nós perdemos.



quarta-feira, 14 de julho de 2010

SOB MEDIDA

Hoje gostaria de compartilhar com o amigo leitor, um assunto que mistura história, conhecimento sobre negócios, nostalgia e o prazer que se sente quando somos atendidos literalmente sob medida às nossas expectativas. Colhi todos estes elementos em uma visita ao senhor Manoel, alfaiate habilidoso com mais de 30 anos de profissão, que ainda resiste a toda produção industrial e em escala que se tornou lei em todos os seguimentos inclusive nos têxteis, desde a famosa revolução industrial. Todos nós sabemos dos benefícios que a produção em escala trouxe ao mundo e nem tenho propósito de discutir isto nestas linhas. Porém, alguns fatos merecem a exposição.

Mas o que isto tem haver com um alfaiate ? Vejamos:

Minha visita ao senhor Manoel começa quando da compra de uma calça onde a numeração 42 ficava larga e a 40 ficava apertada. A maioria das calças que experimentei na loja em questão, caia no mesmo problema que segundo o vendedor, interessado muito mais na comissão da venda, seria prontamente resolvido levando a calça mais larga e literalmente apertando os cintos.

Não sei se o leitor já enfrentou tal situação mas a indústria não produz a numeração 41, 41,5 etc. A solução então foi em uma conversa com meu pai e minha mãe, pedir uma indicação de como resolver o problema. Através deles, cheguei até Manoel alfaiate, dono de um estabelecimento comercial de frente ao seminário Bom Jesus, onde me deparei com um senhor de cabelos brancos, sentado em uma máquina de costura com exímia habilidade no manusear no pedal em sincronia total com o manuseio da roupa sobre a agulha que trabalhava incessantemente no conserto daquela peça. No ambiente, panos de várias cores pendurados e um espaço ao fundo utilizado como provador das roupas. Um rádio 3 em 1 (lembram-se dele ? ) funcionando e a imagem de nossa senhora em um mini altar na parede com uma luz avermelhada indicando a fé do dono do estabelecimento.

Travamos ali uma conversa entre gerações distintas que me trouxe conhecimentos e lembranças da infância onde via a querida Dona Natalina, esposa do senhor Vavá muito amigos de meus pais manuseando a mesma máquina que já não via há tempos. O diálogo foi tão interessante que solicitei a autorização de ficar ali aguardando o conserto da roupa. Entre o experimentar da roupa para tirar as medidas e o conserto propriamente dito, senhor Manoel me contou como fazer roupas era algo pomposo há 40 anos. As pessoas andavam muito mais alinhadas, pois uma roupa feita sob medida tornava a pessoa muito mais elegante. Os ternos predominavam como vestimentas masculinas mais característica e eram comum lojas especializadas na venda de panos onde vendedores debruçavam modelos e mais modelos sobre o balcão, tendo em mãos as ferramentas indispensáveis para aquele trabalho: metro e tesoura. Lembro-me de uma destas lojas no centro de Guaratinguetá onde fui com meus pais mais de uma vez comprar panos.

Minha curiosidade era cada vez maior a respeito do assunto e cada vez mais, ficava impressionado com a habilidade do senhor Manoel nos consertos. Perguntei a ele como havia sobrevivido a todo este tempo e o que fez acabar com os outros companheiros de profissão. Senhor Manoel respondeu prontamente “É claro que a produção de roupas de maneira industrial complicou nossas vidas, mas minha percepção foi mudar junto com a mudança. A maioria dos alfaiates faziam roupas novas e não se especializavam em consertos, que davam menos faturamento na época. Eu adaptei-me rápido e quando vi que as roupas seriam produzidas pela industria, decidi me especializar cada vez mais nos consertos pequenos. É lógico que ainda continuo a fazer roupas novas mas para uma gama menor de clientes. Além disto, tenho clientes de mais de 30 anos que seguem comigo até hoje e vão passando para os filhos que chegam até aqui como você chegou.”

. Você quer lição maior sobre negócios e carreira do que esta ? Enquanto vários palestrantes e consultores de negócios cobram fábulas para ditar caminhos da atualidade, senhor Manoel dá as aulas na prática numa simples conversa. Ele ainda me contou que em Aparecida existiam diversos alfaiates muito bons profissionais que não souberam lidar com tal situação e mudaram de profissão ou de ramo de negócio.

Depois de toda conversa, Sr. Manoel me indica que está pronto o conserto e me pede para experimentar a calça. Quando coloco no corpo sinto a diferença do antes e depois. Medida exata, barra perfeita e uma outra concepção do modelo em meu corpo. Pago com prazer duplo por ter tido uma aula de história, nostalgia e negócios, e por ter uma calça exatamente conforme as minhas medidas.

Termino combinando uma confecção de uma calça por inteiro e com a certeza de que Sr Manoel ganhou mais um freguês e um propagandista para ajudar a perpetuar sua profissão independente das “revoluções” que possam advir por aí.